quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Os escravos do Camorim

                                       


                                  
  
O Cemitério da Igreja de São Gonçalo do Amarante – uma análise social


            Em um tempo em que os enterros eram feitos em cortejos pela vizinhança do morto não haviam cemitérios como conhecidos atualmente – eles só surgem da necessidade de enterrar as vítimas das epidemias que aconteceram em meados do século XX  -  os sepultamentos eram feitos nas terras das igrejas, incluindo o seu altar e interior das mesmas, como o exemplo da sepultura de Estácio de Sá a frente do altar principal da Igreja dos Capuchinhos, na Tijuca. E essa prática não foi adversa com relação à Igreja de São Gonçalo do Amarante, em Camorim.
            Segundo pesquisas, havia uma separação social no momento do enterro. Os mais abastados, os mais importantes indivíduos e os mais poderosos eram enterrados no interior da capela, ao passo dos escravos serem enterrados a frente da Igreja. Com isso, separavam-se os homens importantes do restante da população. Eles queriam ficar mais próximos de Deus, por isso a sua proximidade aos altares. Os menos favorecidos, de pouca importância social e os escravos eram sepultados a parte, fora do espaço da capela, geralmente no entorno da Igreja. Os escravos que trabalhavam no engenho eram sepultados a frente da mesma. A separação social era vista também nos sepultamentos, o que para o pensamento da época era algo aceitável e profundamente praticado por toda a sociedade.
            Vivemos hoje em uma sociedade que abomina práticas preconceituosas, mas antes de apontarmos situações racistas nestas práticas, devemos compreender o pensamento existente na época. O escravo era considerado mercadoria, bem material, algo próximo de objeto ou ferramenta de trabalho. Ele só se tornava pessoa quando respondia por algum ato criminal. Era um período de grandes dificuldades de sociabilização, a começar com a prática dos senhores de engenho em comprar escravos de diferentes lugares da África, a fim de evitarem sublevações por parte dos cativos.
            Em uma sociedade que tem como fator de divisão o seu poderio econômico, senhores e escravos tinham seu espaço geográfico delimitado, onde um não poderia ultrapassar ou invadir o espaço do outro. O distanciamento social se dava também no espaço físico, representando o locus social de cada indivíduo inserido na sociedade colonial e escravista. Senhores de engenhos que tratavam os seus escravos de forma diferente que os impostos padrões sociais da época eram vistos com ressalvas e alvo de críticas pelos seus iguais.
            O sagrado e o profano eram também formas de separação. O que fosse divino era pertencente aos “homens bons”, aos importantes cristãos do período colonial. O profano caberia a todos os outros que não se inseriam no lugar social – pobres e cativos. Devido a essa forma de pensamento, a divisão nos sepultamentos era aceitável e obedecida sem problemas pela sociedade. Além de ser homem bom ou escravo, ambos deveriam ser cristãos acima de tudo. Se não fossem não seriam enterrados em terras sagradas. O medo de ser excomungado em uma sociedade colonial era o mesmo que perder o seu status social.
            As ossadas encontradas no momento da escavação do entorno da Igreja do Camorim, seguindo as normas sociais praticadas, eram de escravos convertidos. Pesquisas apontam que havia um pequeno número de cativos cuidados pelos monges, recebendo destes os mesmos tratamentos e rações que os religiosos. Os demais se sustentavam com os produtos retirados de suas plantações de subsistência, o que podemos apontar com nenhuma ressalva que os monges doavam pequenas porções de terras para os escravos produzirem para o seu sustento. Isso explica em muito a história das práticas econômicas nas terras de Jacarepaguá vistas por Magalhães Corrêa em seu livro “O Sertão Carioca”.

Fonte: ENGEMANN, Carlos. As Marcas das Mãos in As Marcas do Homem na Floresta – História Ambiental de um trecho urbano de mata atlântica/organização: Rogério Ribeiro de Oliveira. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2010.

Adriana Caetano
Pesquisadora/IHJa

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