sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Sistema educacional brasileiro – uma análise micro-histórica.

Ano novo, novo ano letivo. Período de matriculas, lojas cheias em busca de material escolar e livros. Todo ano é sempre essa mesma cena, e os alunos – nossos filhos, netos, sobrinhos – entusiasmados a iniciarem o novo ano letivo para contar aos seus amigos como foram as férias e o que fizeram. Apesar de todas as mazelas conhecidas do ensino brasileiro, alguns retrocessos e avanços foram notados. O abandono do sistema de aprovação automática (quem tem filho estudando no município sabe do que estou falando), que a nosso ver é um crime hediondo que acaba por desqualificar ainda mais a nossa educação, foi uma das melhores coisas que pudemos presenciar, nós professores, nestes últimos dois anos.

Não é nossa intenção discorrer aqui sobre os retrocessos e os avanços da educação básica brasileira, que é mais conhecida que a própria história do ensino brasileiro, e sim descrever como era a rotina de um estudante morador de Jacarepaguá do inicio do século passado.

Magalhães Corrêa em sua obra Sertão Carioca trás uma passagem do cotidiano de um estudante de escola municipal nos anos de 1930. Esta obra é bastante importante para quem deseja conhecer Jacarepaguá em outro momento histórico. Nele o autor apresenta uma descrição detalhada de suas pessoas, de sua fauna e flora, lugares que hoje não são mais vistos. Um Jacarepaguá rural, bem diferente da selva de pedra atual.

Reproduziremos a passagem respeitando a ortografia da época. Um fragmento de documento que poderá ser utilizada por diversas maneiras, principalmente para refletirmos o que realmente mudou no ensino da região, como do país.

“Neste pequeno sítio reside o tamanqueiro com sua mulher, que tece esteiras nas horas vagas; lá a encontrei no tendal; o casal tem um garoto que vae á escola municipal, situada á Estrada da Taquara, a quatro kilometros de distancia, pelas estradas sem arborização e sem abrigo das chuvas ou sol. Assim mesmo, existe esta escola por ter sido lembrada e creada por iniciativa do inspecto escolar Dr. Durval Ribeiro de Pinho, quando dirigia o 23º Districto, tomando a denominação de 1ª feminina e depois, 8ª mixta, o qual também creou a escola de Vargem Pequena, 7ª mixta.

A população escolar dessa zona é obrigada a percorrer kilometros ao sol ou á chuva, sendo a distancia entre ellas de oito kilometros. Si os paes quizerem que seus filhos aprendam a ler, com o regimem actual, quando nenhum material é fornecido aos nossos gurys, terão a multa de 50$000 a 200$000 se estes faltarem mais de tres vezes! Isto prova que os nossos dirigentes da Instrução Publica, quando não são leigos, são verdadeiros provincianos, não conhecem os usos e costumes e a psychologia dessa população rural. O programma de ensino é o mesmo que o do centro da capital da Republica!”

O que podemos verificar no trecho acima é a dificuldade de transporte para os alunos em 1930. Devemos lembrar que não existia gratuidade nesta época e o material escolar não era oferecido pelo governo, bem diferente dos dias atuais. Outra situação interessante é a que o autor se refere no caso da construção das escolas na região. Mostra um descaso que é visto nos dias de hoje, não em relação à construção de escolas, mas ao descaso que o ensino vive atualmente, constituindo uma prática contínua através dos tempos.

Escola mista como se refere Magalhães Corrêa era a forma que a escola era dividida. No século XIX e inicio do século XX as escolas eram separadas por sexo e suas aulas também estavam voltadas para as práticas de cada gênero dentro da sociedade brasileira. Resumindo, as meninas aprendiam os afazeres domésticos e como ser uma boa esposa e mãe, ao passo dos meninos serem voltados ao exercício de alguma profissão. Não é um ensino profissionalizante como conhecemos hoje, mas apenas colocar cada pessoa em “seu devido lugar” na sociedade. Nas escolas mistas, ambos os sexos estavam agora dividindo a mesma sala de aula, podendo receber os mesmos ensinamentos.

Mas o mais interessante desta passagem era a multa aplicada aos pais dessas crianças. Caso faltassem por mais de três dias sem justificativa, os responsáveis eram multados em quantias bem desproporcionais aos ganhos dos jacarepaguenses do inicio do século passado, que viviam basicamente de ofícios artesanais, retirando da floresta sua subsistência. Algo que para Magalhães Corrêa não era justo ser cobrados dos sertanejos cariocas devidos as suas condições de vida. Apregoava Magalhães Corrêa um ensino que estivesse de acordo com a realidade existente nesta região.

Esses artigos escritos para o Correio da Manhã e que originaram o livro Sertão Carioca foram uma forma de alerta às autoridades para questões sociais que se faziam necessárias à região na qual se pretendia “amansar”. O relato que retratou o cotidiano de um estudante em Jacarepaguá de 1930 é o retrato de um sistema educacional que vigorou no Brasil por diversos anos, ou mesmo ainda presente em lugares da própria região que décadas atrás foi batizada de sertão carioca.



Desejamos um feliz 2011 para a Educação. Está mais que na hora dela receber a devida atenção por parte dos responsáveis e não mais um punhado de medidas irrelevantes como a proibição – que não chegou a ser efetivada para o bem da literatura – dos contos de Monteiro Lobato.

Feliz 2011!

Adriana Caetano – Pesquisadora IHJA

Fonte: CORRÊA, A.M. O Sertão Carioca. Rio de Janeiro; Imprensa Nacional, 1936, pg. 114;

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